[Artigo] Astrofotografia para iniciantes

Estranho a gente nunca ter se esbarrado na faculdade (pra quem não sabe, eu e o AFShalders fomos da mesma faculdade, em cursos parecidos, na mesma época). Eu cheguei a propor um projeto final conjunto: eu iria propor uma máquina pra polir espelhos, e um amigo iria propor um sistema go-to pro telescópio que iríamos fazer. No final das contas, fizemos projetos mais fáceis, pra sair logo da faculdade.

Hoje em dia eu fabrico vários dos meus adaptadores, mas nada ótico. Tudo em impressora 3d.

Felipe:
Obrigado por compartilhar tanta informação interessante!

muito massa esse tópico… parabéns Felipe!

Só não entendi porque ele está aqui no Papo Furado e não no Arte Fotográfica…

Era pra ir pra área de artigos e tutoriais, mas ainda não foi… Tenho que continuar escrevendo, mas tenho estado ocupado com outras atividades.

Haha pra sair de lá, melhor não complicar !!!

Meu sonho de consumo nos anos 80 era um Questar de 3.5", pequeno mas com uma resolucão absurda. Dá uma olhada nos preços hoje em dia no ebay…

Hora boa para falarmos um pouco sobre processamento. Astrofoto normalmente se vale de empilhamento, de forma que o sinal se some (ou se confirme), e ruído se anule.

Objetos de espaço profundo têm luz fraca, necessitando de vários minutos de exposição pra capturar luz. Neste caso também o software que faz o empilhamento se vale da posição das estrelas pra alinhar corretamente as várias exposições. Já objetos do sistema solar são muito mais claros. Essa Lua aí (ver a foto no tópico da citação do Gabriel), por exemplo, foi “fotografada” com quadros de 1/1000 e ISO 200. Então uma maneira prática de se capturar dados de maneira rápida e eficiente é filmar o astro e depois extrair/empilhar os quadros.

Um exemplo interessantíssimo de foto planetária está nessa página aqui. Veja o comparação do vídeo de entrada com a foto de saída. É impressionante como tanto dado pode sair de uma filmagem tremida:

O processo básico é mais ou menos esse:

  1. Captura
  2. Pré-processamento
  3. Empilhamento
  4. Edição final.

A captura é mais ou menos como esperado: faça-se as fotos, usando o ISO mais baixo possível para capturar sinal suficiente. Uma regra prática é que o pico do histograma fique entre 1/3 e 1/2 da faixa, do lado mais escuro. Em caso de foto planetária (inclusive a Lua), como as exposições são muito rápidas (1/200 a 1/2000), fica conveniente fazer um filme com várias exposições em poucos segundos. A mesma técnica vale pra fotografar relâmpagos: pode-se filmar por vários minutos, depois separar e empilhar os quadros que contêm raios.

O pré-processamento depende de alguns fatores: por exemplo, os raws das minhas câmeras Fuji têm um pouco de problema com o conversor de raw, então eu prefiro converter meus raws pra tiff, e então empilhar os tiffs. Durante o pré-processamento também são aplicados dark, flat e bias frames. O que é cada um desses?

Dark frames são fotos feitas com mesma duração, mesmo ISO e
mesma temperatura
dos quadros de luz (light frames, que contêm corpos celestes), porém com a câmera tampada, de forma a não entrar luz nenhuma. Estes também são empilhados, a fim de fazer um perfil de
ruído de leitura de sinal
(veja “bias frames” abaixo) da câmera, naquelas condições. Equivale a fazer fotos com “long exposure noise reduction”; porém os dark frames são usados pra não perder tempo útil de captura de luz durante a noite. Note que o ruído varia com a temperatura; logo, os dark frames devem ser tirados na mesma temperatura dos quadros de luz.

Flat frames são feitos com o equipamento ótico completo, no mesmo ajuste focal, contra um fundo branco uniforme. Estes são usados pra compensar vinheta na foto, de forma que a imagem fique toda uniforme. Eu normalmente uso o fotômetro no zero pra esses quadros.

Os bias frames são um tiquinho mais difíceis de explicar, mas vou explicar a partir dos dark frames: estes são usados pra remover o ruído de leitura do sensor. Os bias frames têm por objetivo remover ruído elétrico do circuito. Quando se faz uma foto, o sensor é energizado, daí começa a exposição, termina a exposição e o sinal é amplificado e tratado pra virar arquivo. Durante esta amplificação, também há introdução de ruído, embora de natureza diferente. Então, os bias frames são feitos com mesmo ISO dos quadros de luz, porém com a câmera tampada (igual aos dark frames), porém com a velocidade mais alta possível. Exemplo de um bias frame, em que eu aumentei a exposição em 12 pontos do quadro bias original:

Pode-se ver que há áreas, especialmente na base da imagem e na área dos sensores de foco, onde a imagem ficou diferente. O objetivo dos bias frames é compensar estas diferenças.

Ufa, falamos só do pré-processamento até agora! Depois vem o empilhamento, que consiste em sobrepor as imagens, baixando ainda mais o ruído e aumentando o nível de detalhe.

Finalmente, a imagem empilhada é processada a fim de melhorar a cor e contraste da imagem final. Sobre o processamento, é uma longa história. Eventualmente eu chego lá.

Só para complementar a excelente :clap: explicação:

O ruído elétrico chama-se ruido Johnson e é causado pelo movimento errático dos elétrons no meio, seja ele um simples condutor ou um transistor por exemplo. Ele varia com a temperatura e com a corrente elétrica. Por isso é também chamado de ruído térmico. É por causa dele que as câmeras especialmente usadas em astrofotografia (não estou falando em câmeras fotográficas, e sim astronomicas) são refrigeradas, as vezes até com hélio líquido. Temperatura mais baixa = menor ruido.

O bias frame é como o Felipe falou, é uma assinatura do ruido térmico base do sensor. Faz-se uma média dele e subtrai-se da imagem. É como se definíssemos um nivel onde o que estiver acima é tratado como informação, e o que estiver abaixo é ruido. O dark frame dá um outro parâmetro e pode ser usado também para definir os niveis de preto por exemplo (e outras coisas mais)

Quando se faz o stacking acontece o seguinte:

Imagine 100 imagens de uma mesma região do céu, identicas, mesma valocidade, iso, temperatura, etc.
As estrelas, nuvens de gás e outros “objetos” compõem o que se chama de sinal. Mas existe um ruido de fundo que é a soma do ruido térmico e mais fontes externas, como interferências eletromagneticas ou mesmo um eventual raio cósmico que acertou o sensor em um dos frames, mas não em outros.

Como o que é definido como ruido é aleatório e o sinal não é, no processamento do stacking com finalidade de aumento de exposição acontece um fenomeno interessante ao se somar os quadros: O ruido, sendo aleatório não produz uma “soma de ruidos”, e sim um efeito de anulação do ruido (chego lá). O sinal por sua vez, como é repetitivo nas mesmas posições na imagem, é somado a cada quadro. Com isso a intensidade do sinal aumenta em relação à intensidade do ruído (aumento da relação sinal/ruido) e isso é equivalente a um aumento tremendo na percepção da informação , com uma percepção de que o ruido diminuiu.

Na verdade saiu-se de um frame com uma baixa relação sinal/ruido para uma imagem final com uma relação sinal/ruido imensamente maior.

Obrigado!

Sobre o ruído, ainda tem a turbulência causada pelas variações de temperatura na atmosfera. Este efeito é observado claramente no asfalto em um dia quente, mas acontece também entre as camadas mais quentes e frias da atmosfera acima de nós. Até certo ponto, o empilhamento ajuda a resolver esta turbulência, mas não totalmente. A lição aqui é que o cuidado com o sinal capturado é essencial neste tipo de foto.

Cuidado, paciencia e conhecimento. Serve pra mostrar também que astrofotografia não é apontar a camera para o ceu e fazer uma foto mais ou menos da via láctea…

O problema da turbulencia só com ótica adaptiva, mas isso não é pro nosso bico haha…

Depois poderiamos comentar sobre técnica multibanda e processamento mais a sério :smiley:

Eu chego lá. Se quiser escrever sobre o assunto, fique à vontade também!

MP

“Plate solving” é um recurso de reconhecimento da região celeste com base em uma foto. É um recurso tão útil que, baseado na hora do dia e coordenadas do telescópio, pode-se determinar a localização do astrônomo. Isso além de distância focal exata do telescópio.

Outro recurso interessante é ajudar no enquadramento. Há objetos celestes de difícil visualização, até mesmo depois de vários minutos de exposição. Então as estrelas (muito mais claras) ajudam na orientação correta do telescópio. Funciona assim: tira-se uma foto do céu, em coordenadas aproximadas do objeto que se quer fotografar, transfere-se pro PC, que faz o plate solving pra descobrir as coordenadas. Então, baseado nestas coordenadas e nas coordenadas do objeto em questão, faz-se a correção necessária pro enquadramento perfeito do objeto, mesmo sem vê-lo claramente.

Um exemplo do resultado do plate solving de uma foto que fiz recentemente:

Da mesma forma que galáxias e nebulosas, há como identificar as estrelas por meio de plate solving. Aliás esta é uma das formas pelas quais se detecta supernovas. Por vezes uma estrela está lá, e tempos depois, não está. O software é capaz de detectar este tipo de mudança.

Tem vários telescópios robóticos que usam plate solving. É a ferramenta mais eficiente para detectar coisas transiórias como asteroides, cometas, estrelas variáveis, supernvas e por ai vai.

:clap:

salvando aqui pra acompanhar este tópico… show de bola…

Uma dúvida: existe alguma diferença entre usar uma lente tele de 600mm e um telescópio também com distância focal de 600mm?

Várias.

Falando apenas em equipamentos de boa qualidade, nada de telescópio Greika de 200 reais ok…

No caso de refratores, temos basicamente os acromáticos e os apocromáticos. Os acromáticos usam dois elementos na objetiva (“lente da frente”) e os apocromáticos usam 3 e muito raramente 4.

Os acromáticos compensam a aberração cromática para dois comprimentos de onda, e os apocromáticos para três.

Boas objetivas de telescópio tem a superfície polida com altíssima precisão, pois exige-se uma resolução muito alta. Menos elementos e um bom coating garantem uma imagem de maior contraste do que as teleobjetivas de uso terrestre. Lembre-se que os objetos celestes tem contraste baixo.

As aberturas também são bem menores do que as teles. Um refrator de 1000mm com objetiva de 120mm de diâmetro apresenta f= 1000/120 = F8.3

Quanto as refletores existem diversos tipos, desde o Newtoniano clássico que usa dois espelhos, um plano e um parabólico principal até os Maksutov-Cassegrain que são bem complexos, com 2 espelhos e lentes corretoras, as vezes até asféricas.

Os refletores PUROS não apresentam aberração cromática, mas os mixtos podem apresentar (e podem compensar com uso de lentes APO por exemplo). Os espelhos de boa qualidade são polidos à perfeição, com precisão de pelo menos 1/8 de comprimento de onda;

Refratores bem corrigidos e de grande abertura são imensos e caríssimos. Refletores são a escolha mais lógica nesses casos. É fácil encontrar refletores newtonianos com diametro de 8 a 12 polegadas de boa qualidade e viáveis economicamente. Já um refrator de 12 polegadas de boa qualidade custará algo na casa das dezenas de milhares de reais.

Existem algumas teles usadas em fotografia que podem ser usadas tranquilamente para astro fotografia básica, como a Leica APO-Telyt 180 F3.4, a Telyt 560 e a Canon 300mm L, entre outras… mas esses comprimentos focais só servem para astrofotografia de campo largo, no máximo médio, a não ser que se abuse do crop.

Resumindo: Quando é necessário um aumento grande aliado com grande catação de luz, só telescópio mesmo…

Além disso tudo, telescópios possuem pontos de montagem pra acessórios (viewfinder, câmera guia), possui sistema de foco melhor adaptado pra precisão no infinito. E tem o preço: apesar dos dados que o AFShalders citou, bons telescópios pra fotografia podem ter 800mm f/4. Nem sei se existe lente tão longa e tão clara, se existir deve custar uma fortuna. Mas um telescópio desses, com corretor de distorção custa cerca de 1000 dólares.

Um não absurdamente caro que gostei do resultado foi o Celestron C8 antigo.
Me arrependi por não ter comprado um Guan Sheng (GSO) 8" f5 … (1000mm F5) … E ainda por cima com um focalizador Crayford micro fotográfico… Grrrrr…

Sempre desprezei o Celestron C8 por ter distância focal muito longa. Mas tem uma modificação bem bacana pra ele, que transforma em um telescópio curto (cerca de 370-400mm, dependendo do modelo) com uma super-abertura (f/1.9 a f/2.1).

Hoje uso um SkyWatcher Quattro (feito pra astrofoto), 8" x f/4. Fora o peso, é muito legal de usar. Correção:
hoje
, não uso nada, porque um dos motores do mount quebrou, e não existe em lugar nenhum pra ser comprado.

O C8 e similares são bons para objetos de espaço profundo, por exemplo a Caixa de Joias nele fica um absurdo, o mesmo vale para a nebulosa de Órion, mas para objetos como o complexo molecular de rho ofiúco ou as Pleiades, realmente atrapalha mais do que ajuda. Se bem que tem as oculares de campo ultra largo tipo as Luminos e umas Tele Vue de 40mm, mas 2000mm é brabo mesmo.

O problema desses redutores focais é que variam muito de qualidade e preço, tem que saber muito bem o que está comprando.

O que mais gosto é esse aqui